A experiência de cinco heteros na boate gay

A preparação psicológica já havia começado há duas semanas. Começou quando eu gostei da idéia de foto-documentar a balada gay mais famosa da cidade. Eu não precisava fazer isso, mas depois de um ano recusando convites para conhecer o “bafão”, achei que estivesse na hora de quebrar paradigmas.

Uma decisão difícil para um heterossexual criado na igreja evangélica Assembléia de Deus e com um apreço infinito pelas mulheres desde que se entende por gente. Por isso, recrutei dois amigos na mesma situação: Ciro Schimitz, gaúcho macho e Nino Augusto, projeto de caminhoneiro renomado. A expedição ainda era composta por Lorena Fernandes, idealizadora e Manô Loureiro, voluntária.

As mulheres, provavelmente, têm mais facilidade em não ter preconceitos sexuais. Lorena e Manô, freguesas da casa, tentavam nos convencer que seria legal (e elas estavam certas). Relutantes, os homens caprichavam em elaborar suas desculpas:
“É um trabalho estritamente profissional”; “Eu vou porque tu és meu amigo”; “Meu amigo que trabalha lá disse que vai liberar ‘bira’ pra gente”.

Imbuídos de cara e coragem, somadas a uma dose extra de desculpa esfarrapada, nós, preconceituosos (os homens da expedição) heteros partimos rumo à badalada Ivix, a boate mais alegre da cidade.

A galera








Espetáculo

Umas das atrações que a casa faz com uma certa freqüência é o show com drag queens. Essas meninas das fotos abaixo são as donas do espetáculo.


No interior do arco-íris

“Existe uma diferença óbvia: o público alvo. Tu vai ver bem pouca gente heterossexual lá. Mas fica nisso. A música é a mesma, a bebida também, tem fumaça, jogo de luzes. Igual a uma balada heterossexual”.

Essa é a voz de quem vai lá sempre. Então, quem sou eu para desacreditar? Confiamos e fomos. Não deu outra. O público alvo é bem diferente mesmo. Mas para nós, bastões do preconceito, não houve o impacto esperado. Era uma balada normal mesmo. Com uma quantidade absurda de homens, mas normal. Esperávamos o inferninho, vimos nada demais. Mas como já foi especificado, estranhamos bastante a machalhada exalando sensualidade. Ou tentando.


No mais, tudo normal. Fomos para o andar de cima olhar a pista. Lá de cima o contexto se traçava:

- O xaveco ao pé do ouvido no meio de pista é engraçado.
- Dois barbados que pareciam o Lula e o Palocci discutindo o futuro do país davam beliscõezinhos um no outro.
- As rodinhas típicas de meninas na balada não existem. Rola um olho no olho forte.
- Algumas ‘meninas’ desfilam imponentes na pista, mas são minoria. O sujeito mais comum é o homem normal, alguns bem vestidos, outros nem tanto.
- Regatinha branca predomina.
Xaveco ao pé-do-ouvido




Mortícia Adams - Hostess



Toda boa festa deve ter um anfitrião, nessa havia uma anfitriã, ou anfitrião, não sei. De minissaia e ombro de fora,Mortícia subiu ao palquinho para dar o início oficial à festa e desejar que todos se divirtam. Para animar, ela fazia perguntas do tipo: “tem algum bofe aqui?”. O cara que disse sim foi desmentido em público com o teste do chiclete (se alguém se garante o machão, você pede para ele falar chiclete, a fonética se encarrega de denunciar a opção sexual do rapaz).

E nesse momento o nosso grupo passou por um apuro. Desacostumados com a situação, começamos a fotografar a anfitriã. “De onde vem esse flash”, “Não pode tirar fotos”, bradou.
Eu gelei.
Lorena, a fotógrafa, diz que não, mas gelou também porque eu vi. Mas, para nosso alívio, ela olhou bem séria para nós e soltou: “Brincadeira, boba!” “Fotografa a vontade”.

A festa continua. Pegação geral. Muito mais que numa balada dita hetero. Imaginamos que isso acontece porque na Ivyx a galera vai para soltar a franga. Literalmente.

A anfitriã e as amigas

"Quer cerveja?"

De repente, e não mais que isso, vi uma jovem. Era mais alta do que eu. Loira. Devia ter 1, 82. Estava de calça jeans, blusinha preta com os ombros (largos) de fora e um cachecol vermelho combinando com a bolsa. Fui até lá.



Oi!
Olá!

Como é o seu nome?
Bárbara.

Oi, Bárbara. Você vem sempre aqui na boate?
Sempre que eu posso.

Ahh!Pois então. É a primeira vez que eu venho aqui. Queria te fazer umas perguntas sobre o lugar. Pode ser?

Quer cerveja?
Não, obrigado. Mas então, é... Essa é a única balada para esse público aqui em Joinville? Você gosta daqui?

Gosto. É bem legal. Quer cerveja?
Não, obrigado.

O seu nome é Bárbara mesmo?
Preciso responder!

Perfil

Se desse para fugir da estereotipização, fugiríamos. Mas a força do hábito e o trabalho pede para falarmos um pouco do público frequentador da boate gay.
Os travestis são pouquíssimos. Lésbicas também. O sujeito mais comum na boate gay é homem com média de idade entre 25 e 40 anos. Assumido ou não.

Enquanto batíamos fotos, pedíamos para que alguns sujeitos posassem especialmente para nós. Num desses pedidos, eu comecei a conversar com Edson. Um designer que esconde da sociedade a sua opção sexual por temer a discriminação.

Ele imagina que as pessoas sabem da escolha de ser homossexual. Porém, não assume “porque a partir daí as pessoas se acham no direito de criticar e falar mal”.
Inicialmente, Edson ficou preocupado quando soube que as fotos seriam publicadas. Por isso me chamou para ter certeza da maneira como esse trabalho seria feito. “Que legal que vocês estão fazendo um trabalho sério. Tem muita gente ignorante que pensa que gays são só prostitutas e drogados”. “Vocês têm que mostrar que a comunidade gay é muito mais que isso. É gente de bem, que trabalha e que é educada. Claro que há muita prostituta que é gay e um monte de drogados. Mas não é só isso. E a sociedade acha que é só isso”.

Edson não é casado, não tem filhos e um dia pretende assumir sua opção sexual, mas por enquanto ainda é cedo.

Assumir ou reeducar

A semana seguinte a visita à Ivyx foi uma espécie de tempo para recuperação do trauma.
Eu e Ciro chegamos a conversar para ver se não era melhor assumir o preconceito de vez.
Pensei bastante nisso, na família e da forma como fomos criados. Somos preconceituosos, não adianta. Ou adianta, reeducar talvez seja a solução. A nós, aos nossos amigos e aos nossos pais.

Eu lembro do velho dizer popular: "Eu não tenho nada contra viado, desde que não chegue perto de mim". Aí eu penso: Que pessoa sensata. Lembro, então, de pessoas que chamam a todo mundo de viadinho e riem das bibas. O moralista poderia dizer o quão preconceituosas essas pessoas são. E de repente você passa a conviver com essas pessoas, que caçoam do jeito homossexual e vê que elas convivem com homossexuais sem diferenciá-los de forma alguma. É irônico, é engraçado, faz pensar.